Ano Novo, Novos Problemas. O ano de 2023 mal começou e já há um enorme burburinho pela discussão, na Câmara dos Deputados em Brasília do projeto de lei redigido pelo Deputado Tiago Mitraud (Novo-MG). A minuta deste documento sugere desregulamentar inúmeras profissões praticadas no Brasil pois, segundo seu entendimento, tais profissões que não oferecem risco à segurança, à saúde, à ordem pública, à incolumidade individual e patrimonial e, por conta disso, não precisam da exigência de formação técnica ou de diploma para serem exercidas. Em simples palavras seria como que se oficializássemos que qualquer leigo, sem qualquer estudo prévio pudesse fazer projetos de Engenharia e pior, pudessem executá-los. Tendo em vista casos recentes na nossa sociedade como dos prédios colapsados na comunidade da Muzema, na cidade do Rio de Janeiro, onde o crime organizado e milicianos contratam operários para erguerem edifícios sem qualquer respaldo técnico pelas boas práticas da Engenharia. Nós, Engenheiros, Arquitetos, Tecnólogos e Técnicos, após anos de estudos nos tornaríamos apenas mais um dentre ‘os muitos que sabem como fazer’. Valoriza-se muito mais, aqueles “profissionais” que nas placas penduradas nos postes de nossas ruas, realizam diversas atividades tais como: cópias de chaves, levam seu cachorro para passear, fazem carretos e mudanças, e podem rabiscar um desenho qualquer para construir, reformar ou erguer sua nova casa, e melhor, a custos bem mais baratos. A qualificação nos dada pelo ensino e a habilitação frente aos órgãos fiscalizadores que se joguem fora, afinal de contas a ideia de banalização faz “com que qualquer um pode fazer o que quer dentro da Engenharia”. Vivemos um momento na nossa sociedade de que as altas taxas de desemprego sugere o “se vire como pode” até mesmo extrapolando qualquer razão de civilidade, respeito mútuo ou direitos constituídos. Ao invés de se criar mecanismos de educação, qualificação e aumentar a empregabilidade unto a crescente mão-de-obra estagnada e perdida pelo Brasil este projeto de lei visa desmerecer inúmeros profissionais que tentam a cada dia melhorar a qualidade dos serviços prestados, cada um em sua área de conhecimento. Nós que possuímos pequenas empresas de projetos de Engenharia e Arquitetura consideramos tal proposta como um grande balde água fria sobre nossos negócios. Por várias vezes a primeira pergunta que escutamos de um cliente é “O quanto vai custar?”, ora se realmente houver a desregulamentação das profissões de Engenheiros e Arquitetos, obviamente pelo ‘custo Brasil’ sequer teremos condições de competir com ‘os profissionais das plaquinhas dos postes’, ainda mais se atuamos nas periferias. Áreas estas tão carentes de boas práticas da Engenharia. Os pequenos escritórios seguirão o terrível ciclo de desmonte das pequenas empresas que não sobrevivem aos inúmeros ataques da carga tributária, falta de gerenciamento, falta de crédito, juros absurdos, competição desigual e agora, desregulamentação dos profissionais.
A Comercialização dos Laudos Técnicos de Engenharia Civil
Desde que me formei em Engenharia Civil em meados de 2010 tinha por sonho desenvolver, como engenheiro civil, alguma atividade visando auxiliar meus ‘futuros clientes’ a tomarem decisões que lhes impactassem positivamente em suas escolhas com relação aos seus imóveis, fossem próprios ou alugados. Me especializei primeiramente em Engenharia de Avaliações e Perícias, tendo-me pós-graduado nesta área em 2012 e, posteriormente, em outubro de 2022, em Engenharia Diagnóstica e Patologia das Construções. Ambas as áreas da Engenharia Civil são complementares me fazendo ter outra visão das edificações sobre as quais analiso desde então. Tratando-as, comparativamente ao corpo humano assim como os médicos fazem um diagnóstico mediante os fatos relatados e pós exames, a Engenharia Diagnóstica em sua gama de estudos tem por principal objetivo descobrir o por quê de certa edificação apresentar problemas, sejam pelo seu tempo de uso, o mal emprego dos materiais utilizados em sua construção, práticas erradas na sua execução ou problemas adquiridos com o passar do tempo por falta de manutenção, afinal de contas qual pessoa não necessita de um remédio ou uma vacina com o passar dos anos. O principal documento gerado pelo Engenheiro Diagnóstico, ou Patologista (forma menos usual de chamá-lo) é a redação de um Laudo Técnico de Engenharia, texto no qual depois de todo um roteiro a exposição da situação da edificação em estudo e que informa ao cliente (proprietário) o melhor caminho a seguir para ‘consertar as coisas’. Infelizmente devido a situação econômica na qual nossa sociedade passa e por mal caráter de inúmeras pessoas, profissionais ou não da área, nota-se a crescente comercialização de laudos técnicos, documentos que muitos condomínios e mesmo associações de moradores exigem para respaldar obras de construção ou reformas. A legislação brasileira não pune exemplarmente que faz mal uso ou apenas comercializa tais documentos dando assim caminho as más práticas neste comércio. Eu mesmo tive uma má experiência há algum um tempo. Quando da reforma de um pequeno apartamento no bairro do Ipiranga, região central de São Paulo, precisei contratar um profissional para visitar, analisar e gerar um laudo técnico deste imóvel. Não seria coerente, por ética profissional que eu, como Engenheiro e proprietário realizasse este documento e fui ao mercado contratar um profissional que o elaborasse. Deparei-me com inúmeros anúncios de ‘venda de laudo para reformas’ na Internet ao qual um em específico me chamou a atenção. Entrei em contato via fone e perguntei se o preço mencionado no anúncio era o mesmo para o meu imóvel, já que tal custo deve-se levar em conta a área do imóvel a ser periciado, a quantidade de horas trabalhadas neste laudo, bem como incluir o custo da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), recolhida frente ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA), bem como outras despesas que se fizerem necessárias como cópias de documentos, etc. Pois bem para o meu espanto a primeira pergunta do meu interlocutor era onde estava localizado o imóvel. Quando mencionei o bairro do Ipiranga, notório por possuir em grande parte imóveis de classe média-alta o valor aumentou frente ao anunciado pela Internet, cerca de 15% a mais. Ok. Seguindo as tratativas e me identificando como leigo no assunto sugeri que o ‘profissional do outro lado da linha telefônica’ viesse visitar o imóvel no próximo fim de semana, para no local me explicar sob sua ótica como estariam suas condições estruturais, suas instalações elétricas e hidráulicas, a rede interna de gás canalizado, revestimento e pinturas de paredes e tetos, etc. Porém para minha surpresa ouvi que não haveria necessidade de visita no local, apenas que eu, como proprietário enviasse via aplicativo no celular ‘meia dúzia de fotos do que eu achava que estivesse ruim’ e o engenheiro (que afirmava estar falando comigo pelo telefone), faria o laudo técnico já com o recolhimento da ART’, me mandando o documento depois de uma semana, via e-mail. Ou seja, além de qualquer garantia que meu interlocutor fosse um profissional da área de Engenharia, sequer vi seu rosto, ele me passou um custo sem sequer olhar o imóvel a ser estudado e me enviaria um documento que deve ser registrado num conselho de classe com uma assinatura que nem sei se é desta pessoa. Infelizmente há inúmeras falhas, por parte dos contratantes que ainda acreditam que o valor de custo deve ser mais importante do que a qualidade e a responsabilidade do profissional que pratica o bom serviço de Engenharia. Ora por parte dos maus profissionais que querem apenas vender umas folhas de papel, muitas vezes copiadas de modelos da Internet, cuja linguagem técnica engana os clientes leigos que pagam qualquer coisa para ‘se livrarem de uma fiscalização’ nas obras. Ora por parte do próprio órgão de classe que deveria ter pulso firme na fiscalização e coibir de alguma forma tantos anúncios destes maus profissionais.